Eu tentei ser uma trabalhadora PJ. Em 2020.
- luisagusi
- 1 de mai. de 2021
- 8 min de leitura
Feliz Dia do Trabalhador.
Começando no Magistério, quando eu ainda nem tinha uma noção definida sobre o que seria um emprego (formal ou não), eu ouvia dos professores a rotina deles: a maioria trabalhava apenas lá naquele colégio, durante as manhãs e algumas tardes, com alguns tendo um segundo emprego durante a tarde. Mas eu me lembro de um professor de Física que nos disse que ele trabalhava em três escolas diferentes: na nossa durante a manhã, noutra de tarde, e em mais uma outra no período da noite. Quando alguém perguntou o porquê, ele falou que a carga horária das aulas de Física, por serem apenas no Ensino Médio, eram poucas, o que fazia com que o salário dele também não fosse o suficiente para economizar dinheiro. Que eu me lembre ele queria se casar com a namorada/noiva, então eu imagino que esse era o objetivo de economia dele.
Então quando eu comecei a trabalhar, um emprego CLT era a única coisa que eu conseguia imaginar. Afinal, professores só trabalham em escolas, não é? E escolas só empregam os professores assinando a carteira, certo?
Ao menos enquanto eu ainda só havia trabalhado como assistente de classe ou como professora polivalente — professora de turma de Educação Infantil ou de Ensino Fundamental 1 — em Curitiba, isso era verdade.
Aí em 2017 eu vim para São Paulo. Apenas chegando aqui eu fiquei sabendo que essas minhas impressões não eram sempre verdade.
O emprego que me permitiu mudar de cidade era como Art Teacher, sendo professora de artes dentro do currículo internacional de um colégio bilíngue, onde fiquei até 2019. Eu dava uma aula por semana para turmas do Fundamental 2 (do 6º ao 9º) e do Ensino Médio (apenas do 1º e 2º, como se não houvessem questões sobre Artes no Enem). Ou seja, eu dava 9 aulas por semana nessa escola, o que fazia com que a minha carga horária semanal fosse de 10h totais ao incluir reuniões pedagógicas. O salário era muito bom e eu tinha a carteira assinada, mas eu fui atrás de um segundo emprego para poder colocar o máximo de dinheiro possível na poupança e para não ficar com muito tempo livre.
Esse fundo de emergência desenvolvido ao longo de 2017 foi todo extinguido em 2020, mas já chego nessa parte.
Meu segundo emprego foi algo que eu não pensava que me sairia tão bem por não ter estudado isso na faculdade, mas estou nesse ramo até agora e não consigo me ver saindo no futuro próximo: dando aulas de inglês em cursos de idiomas. E é aí que eu descobri que existem professores PJ. Nessa escola onde eu trabalhei entre 2017 e 2020, me explicaram que não valia a pena assinar a carteira pois a sua carga horária pode mudar a cada semestre, ou até antes disso, dependendo da quantidade de alunos e turmas disponíveis dentre dos horários que o professor está disposto a trabalhar. “Bom, faz sentido”, eu pensei, ainda mais que eu disponibilizava para eles apenas entre 5h-15h semanais, dependendo do semestre, já que eu precisava de tempo para fazer uma especialização e, depois, o mestrado.
Nos primeiros dois anos eu recebia por cheque, todo mês. Eu não via um cheque ao vivo desde 2004, acho. Mas ok, ao menos era um dinheirinho que eu colocava direto na poupança.
Em 2019 houve uma mudança nas regras da franquia, alguma coisa sobre isso ser informal demais e então todos nós professores precisamos nos tornar MEIs (MicroEmpreendedor Individual) para ter um CNPJ. Com isso, a cada mês nós emitíamos uma nota com o valor das nossas horas/aula mensais e mandávamos pra contadora da escola, que então depositava o valor na nossa conta bancária (aleluia, não precisar ir no banco todo mês!). Quando a coordenadora/sócia conversou comigo sobre a necessidade de me tornar MEI, ela também me explicou que é necessário pagar uma taxa mensal chamada DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional), de valor R$55,00, “mas nós vamos dar a ajuda de custo dessa taxa junto às suas aulas, não se preocupe”. Aqui veio o primeiro alerta vermelho: nunca recebi tal ajuda de custo.
Desde 2017 eu participei de várias entrevistas de emprego em São Paulo: para ser professora de inglês em cursos de idiomas; professora de inglês em escolas de Educação Infantil e Fundamental 1; professora de artes em todos os segmentos da educação básica; e professora de história para Fundamental 2 e Médio. Em algumas escolas a vaga era CLT. Em outras, me diziam que “como a carga horária semanal é muito pequena, nem vale a pena assinar a carteira, pois é muita coisa que vai pra imposto e INSS e pouco pro bolso do professor”. Isso condizia com o que eu via no meu holerite, então eu não questionava essa lógica na época.
Portanto, eu decidi que em 2020 eu trabalharia apenas como uma professora PJ.
Comecei a trabalhar numa escola de Educação Infantil que estava implantando o currículo bilíngue pela primeira vez, então eu dava aulas de 1h todos os dias para as três turmas mais velhas (de 4 a 6 anos de idade), com a intenção de aumentar tal carga no ano seguinte para as crianças menores também. Como isso totalizava 15h de trabalho por semana, decidi que eu não queria ser CLT, para maximizar o dinheiro que ia direto pro meu bolso. Fiz um contrato com o dono da escola, o qual estipulava o valor da minha hora/aula e também colocava que reuniões e treinamentos também seriam compensados. Depois eu me arrependi amargamente dessa escolha, mas é apenas errando que a gente aprende, não é?
Então em 2020 eu tinha dois empregos, ambos como professora de inglês: 15h semanais na escolinha de EI, 5h no curso de idiomas. (Ainda fazendo o mestrado no restante do tempo.) Ambos eram PJ.
Aí veio a pandemia. Aí eu precisei usar uma bela parte da minha poupança pra continuar pagando o aluguel.
Primeiro, assim que o curso de inglês foi pro regime online, muitos alunos pediram por desconto na mensalidade, além daqueles que foram cancelando a matrícula ao longo do primeiro semestre ao perceber que as coisas não “voltariam ao normal” tão cedo. Portanto, na metade de abril, um mês após o começo da pandemia, todos os professores sofreram um corte de no salário. No fim, eu tive redução de 50%, mas poderia ter sido pior. Vou colocar aqui um e-mail que eu mandei para a coordenação e direção do curso, intitulado “Redução salarial”.
Olá, _______, _______, _______.
Eu gosto de deixar tudo registrado, por isso envio esse e-mail. Ontem, eu e a ______ conversamos por telefone, e depois eu dei uma aula particular. Depois da minha aula, eu coloquei no papel o acordo sugerido, mas quero expressar que não posso concordar da forma sugerida. Explico o motivo:
Entendo que a situação financeira está ruim para todos. Porém, o que foi sugerido é que o meu pagamento seja apenas em relação aos minutos de conversação com as minhas três turmas do sábado. Juntando tudo (30 + 10 + 20 minutos), dá 1h de aula dada. As outras 4h do dia serão recompensadas em julho (e vamos entender que esta data ainda não pode ser confirmada e não posso contar com esta receita) com aulas de reposição com os alunos. Ok.
Tenho alguns problemas quanto a isso:
1. O tempo que eu estou usando para montar slides ou separar fantasias/brinquedos na minha casa + gravar os vídeos + edição + enviar para cada um dos pais = sendo bastante otimista leva 1h, pessimista duas horas cheias, mas isso não está atualmente sendo contabilizado. Trabalhar de graça, como nós falamos por telefone, é impensável;
2. (…)
3. Em razão do envio do material (vídeo-aulas) para os alunos, os pais tem o meu contato particular e como devem imaginar, recebo mensagens para tirar dúvidas, o que eu opto por fazer apenas em horário comercial (8–17h, de segunda a sábado) pois já recebi algumas em horários como às 21h ou no domingo, e ainda assim toma alguns bons minutos de atenção para explicar o passo-a-passo de alguma atividade de listening, por exemplo;
Meu salário atual, já que estou trabalhando com vocês apenas no sábado, quase chega a R$600,00. Uma redução de 80% significa que vou ganhar, em relação a abril, apenas R$120,00. Então o tempo que estou gastando com vídeos, envios, e ficar com a cara no computador no sábado de manhã equivale a apenas uma semana de supermercado.
Reiterando: eu compreendo perfeitamente a lógica pelo ponto de vista dos clientes. Mas eu estou trabalhando em funções fora das previstas: estou fazendo o trabalho de secretaria ao enviar os vídeos a cada responsável. O momento atual é bizarro, ok, mas, repetindo, 120 reais. Fica complicado. Por ora, receber os outros 480 é apenas uma promessa. Gostaria de ao menos ser compensada pelos vídeos e envios, desta forma podemos chegar a um consenso.
Aguardo uma resposta por escrito,
Luisa Ferreira Gusi
Outro alerta vermelho: eu não recebi uma resposta por escrito. A diretora/dona da escola, uma das pessoas que recebeu este e-mail, me telefonou algumas horas depois, dizendo que na verdade a ______ me passou a informação de forma confusa, “não era bem isso”, e no fim concordamos verbalmente numa redução de 50% com a promessa de que esse porcentual faltante seria pago ao final da pandemia, que ainda achávamos que seria em julho, como mencionado no e-mail. Em dezembro de 2020 minha paciência com essa situação se esgotou e pedi demissão. Claro, nunca verei os tais outros 50% do meu salário, nem mesmo se eu tivesse continuado lá.
Bom, essa foi a situação no curso de inglês. Meu problema na escola de Educação Infantil foi outro.
Comecei na escolinha no finalzinho de janeiro. No começo de junho, já que ela perdeu muitos, muitos, muitos alunos, o dono me avisou que o programa bilíngue seria cancelado e, portanto, minha última aula seria no dia 30/06, uma terça-feira. No meu contrato, há a seguinte cláusula:
DO CANCELAMENTO DO CONTRATO
Cláusula Nona: Para a rescisão do presente contrato pelo(a) CONTRATANTE, este deverá notificar o(a) CONTRATADO com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo assinar declaração específica junto ao CONTRATADO. Esse período de aviso de 30 dias é pago, o contratante fazendo as aulas ou não. Após o término do aviso de 30 dias, não restará nenhuma obrigação contratual entre as partes.
O dono não quis me pagar o montante estipulado pelo contrato. Foram necessários muitos, muitos, muitos e-mails ao longo de um mês explicando exatamente todas as minhas funções exercidas, todas as minhas horas trabalhadas, até que ele finalmente me pagasse todo o valor devido. Durante essa odisseia, eu ficava pensando “eu deveria ter pedido pra ter carteira assinada e fazer contribuição sindical”. Para me livrar da dor de cabeça no final, sim, eu deveria.
Em abril de 2020, os meus salários de ambas as escolas contabilizaram R$2.473,00. (Eu também já tinha outras rendas extras, dando aulas particulares e vendendo recursos pedagógicos.) Como em julho eu só tinha as aulas do curso de idiomas, em agosto o meu único salário foi de R$341,10.
Minha situação melhorou a partir de agosto, pois encontrei uma escola de inglês que não tem essa ideia ridícula de reduzir o valor da hora/aula quando se trata do regime online e, melhor de tudo, me deram a opção de ser PJ ou CLT quando fui contratada.
Eu nunca mais trabalharei como professora PJ numa escola. A CLT serve para proteger o trabalhador e eu usufruirei dos meus direitos sempre.
Manterei o MEI pois ele é necessário ao elaborar materiais didáticos para universidades — algo que fiz pela primeira vez no ano passado — e por que, mesmo sendo um valor pequeno,
ele também exige uma contribuição para o INSS. Afinal, melhor eu usar de todas as cartas ao meu dispor, pois nunca se sabe quando precisarei delas. Porém, agora serei PJ apenas para rendas extras. Para os meus salários de verdade, sempre serei CLT. Se a escola não me der essa opção, eu recusarei.

Por fim, como o meu diploma de História tem que me servir pra alguma coisa, darei um resumo da importância do Dia do Trabalhador. Segundo o Fórum Econômico Mundial:
O Dia Internacional do Trabalhador se originou no século 19 como uma forma de homenagear os esforços para ganhar uma jornada de trabalho de oito horas, em um momento em que os trabalhadores fabris em países em industrialização trabalhavam regularmente por 70 horas ou mais semanalmente, e as condições eram frequentemente péssimas.
Ou seja, não se trata de um dia de folga só pelo prazer de poder relaxar. Se trata de um dia de memória, em que todos os trabalhadores deveriam conhecer as condições precárias sofridas no passado, com a esperança de que o futuro, através da consciência e da luta, seja melhor para todos nós.
Minhas sugestões de textos jornalísticos e vídeos (em português e em inglês):
"Have we fulfilled the promise of International Workers’ Day?, World Economic Forum: https://www.weforum.org/agenda/2021/04/have-we-fulfilled-the-promise-of-international-workers-day/
"No Dia do Trabalho, Bolsonaro critica sindicatos e MST em live", Carta Capital: https://www.cartacapital.com.br/politica/no-dia-do-trabalho-bolsonaro-critica-sindicatos-e-mst-para-ruralistas/
"May Day protesters demand more job protections amid pandemic", Associated Press: https://apnews.com/article/middle-east-europe-pandemics-lifestyle-coronavirus-2fb00696e7069aa6342ae2135ac6f7d9?utm_source=Twitter&utm_medium=AP&utm_campaign=SocialFlow
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